segunda-feira, 14 de julho de 2014

Projeto CURAU – Os Meninos Perdidos de Eldorado





“Nós somos tão esquecidos aqui. E vocês sempre se lembram da gente.” Estas são as palavras que acompanham os olhos cheios de lágrimas de uma das assentadas, no momento em que abrimos as portas da nova Sala Criativa que inauguramos para as crianças na sede do assentamento Eldorado dos Carajás. Palavras que entram em nossa mente e, digo até, nos fazem encher o peito. Não de algo tão bobo como orgulho, mas um sentimento de satisfação certeiro de que o trabalho que realizamos com esse pessoal com certeza vale à pena.

Tudo aconteceu no sábado, dia 31 de maio, em nossa última Seresteira realizada com nossos amigos do campo. Um sarau diferenciado, que reúne o campo e a cidade, num misto de música, teatro e poesia, buscando levar a eles um pouco de nossa cultura, mas principalmente, deixar que eles se manifestem quanto a seus próprios ideais.

O tema da peça do dia, apresentada por nosso grupo, era mais que chamativo. “A Luta da Terra do Nunca”. Fazendo alusão ao clássico infantil tão bem conhecido do garoto que jamais envelhece, a ideia do roteirista João Barão buscava retratar de forma lúdica a tal luta pela terra desta comunidade que nunca termina. Peter Pan surgiu na história como a representação de um sonho. O simbólico ideal da resistência a uma sociedade opressora. Um amigo alegre e sorridente que traz aos Meninos Perdidos a ideia de que é possível lutar por direitos igualitários. Meninos Perdidos estes que, como personagens da peça, retratam perfeitamente o desamparo em que os assentados são deixados a mercê da sociedade.

direita para esquerda: Tatiely (Sininho), Natália (Sr. Smee), José Renato (Capitão Gancho), Venâncio (Peter Pan), Ana Carolina (Wendy), Flávia (Espantalho)
E foi assim... com personagens lúdicos como Peter, Sininho e o temível Capitão Gancho que demos a eles o habitual gostinho pelo teatro. Não deixamos é claro de colocar as crianças na peça também, deixando que elas aprendessem na arte do improviso e interpretassem os Meninos Perdidos. E o mais satisfatório é ver como eles não apenas se divertem no teatro, mas como enxergam na nossa peça suas próprias histórias e seus próprios anseios. Cada vez que o Peter Pan lhes falava sobre lutar pela ideal “Terra do Nunca”, um sorriso ainda que mascarado surgia levemente nos rostos dos espectadores. “Essa tal Terra do Nunca... com muita luta, ainda vai ser nossa.”

Após a peça, a Seresteira prossegue com músicas, rodas de dança e muita festa. Até que por fim decidimos presenteá-los com nosso trabalho final. Escolhemos com carinho uma das salas da casa da sede e a transformamos por completo. Usamos nossa já conhecida fama de transformar paredes brancas em arte, e readaptamos o tal simples cômodo para uma sala criativa. Paredes pintadas, livros espalhados, brinquedos aos montes e potes de tinta pelo chão. Uma ação simples, mas que representa um mini refúgio para os pequenos que tanto amamos. As crianças que tanto nos cativam e tanto necessitam de um espaço só delas pra que tenham a oportunidade de aprender a arte de sonhar alto.
Nossa líder nata, professora Flávia, é quem anuncia a abertura da sala criativa, e abre as portas, quando todos os assentados se reúnem em volta do cômodo da casa. Mas é nos olhos de todos os integrantes do Artimanha, que o brilho vindo do olhar de cada criança é refletido, nos fazendo suspirar forte, com a certeza de aquele trabalho não é em vão. E de que cada teatro, cada poesia, cada tarde que passamos com aquelas crianças, contribui para seu crescimento, e principalmente... gera demanda. Desperta neles o desejo por teatro, o desejo por leitura... O desejo por cultura. E nossa intenção é exatamente essa. Não apenas levar a eles a arte, mas fazer com que eles também queiram exigi-la.

 
Pois em cada Menino Perdido há um adulto grandioso com o sonho de lutar por um mundo melhor. Um mundo mais justo. “Nós somos tão esquecidos aqui. E vocês sempre se lembram da gente.” É a frase que nos motiva a não esquecer. É a frase que nos motiva a sempre lutar. Pois é assim que se muda o mundo. Começando de um pedacinho de chão, podendo sempre, é claro... Usar como instrumento uma sala colorida que nos permita sonhar.

texto por Felippe Barbosa

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